segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Banda Larga - O fracasso do Programa Nacional

O fracasso do Programa Nacional de Banda Larga

"O ministério e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fazem vistas grossas. Assim, as operadoras dizem que oferecem o serviço popular, o governo finge que acredita e o nível de conexão no país segue crítico", escreve Marina Cardoso, jornalista e integrante do Intervozes, em artigo publicado por CartaCapital, 22-01-2015.
Eis o artigo disponível em IHU em 23/01/2015
Foi-se o final de ano, o novo-velho governo tomou posse, nomeou ministros e mostrou a que veio. Pois bem. Agora, nesse começo de janeiro, antes de seguirmos em frente, é recomendável parar um minuto para refletir sobre os resultados do Programa Nacional de Banda larga (PNBL), instituído em 2010 pelo Decreto 7.175, cujas metas deveriam ter sido alcançadas até o findado 2014. Para isso, contamos com a ajuda do relatório de avaliação do PNBLfeito pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal. O estudo foi concluído em dezembro e – esperamos que por conta do período de publicação – ganhou pouco espaço na mídia. É, no entanto, bastante elucidativo sobre o retumbante fracasso do Plano. Vale lê-lo atentamente.
Para começar: a meta de domicílios conectados estabelecida para 2014 está muito longe da alcançada. A expectativa era fechar o ano passado com 35 milhões de domicílios com acesso à internet fixa. Porém, em agosto, os acessos à banda larga fixa chegavam a apenas 23,5 milhões de locais, segundo dados do próprio Ministério das Comunicações (Minicom), incluindo aí instalações em estabelecimentos comerciais. Ou seja, há um abismo de mais de 10 milhões de acessos entre a realidade e a meta prevista.
Consultoria Legislativa (Conleg) do Senado calculou que exista no Brasil um hiato digital em aproximadamente 38,4 milhões de famílias, uma cifra que corresponde a mais de dois terços do total da população. Um dado vergonhoso, especialmente quando se tem em conta que o Brasil é a sétima maior economia do mundo, de acordo com o Banco Mundial.
O pacote de banda larga popular, criado por meio da assinatura de termos de compromisso entre as operadoras e oMinicom, também apresenta resultados pífios. Os últimos dados disponíveis apontam para 2,6 milhões de assinaturas, menos de 1% do total de acessos à internet fixa, sendo metade delas concentrada no estado de São Paulo. É bom lembrar aqui que os dados da banda larga popular do PNBL divulgados pelo Minicom são imprecisos quanto a sua data de coleta (e não mudam há algum tempo), e não incluem informações por região, ou dados de desconexão. Ou seja, também faltam informação e transparência para um melhor balanço da política.
O governo poderia se gabar de poucos aspectos do PNBL, entre eles a cobertura da oferta do plano popular, que, segundo juram as concessionárias, alcançou 4.912 cidades. O difícil é o cidadão conseguir contratar o tal pacote que estaria disponível em quase todos os municípios do País. Diversas reportagens denunciam que empresas escondem tal oferta em suas páginas da internet e que há dificuldade de contratação do plano por meio dos serviços de atendimento telefônico das operadoras – isso sem falar do total desconhecimento da população sobre a existência do plano popular.
O ministério e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fazem vistas grossas. Assim, as operadoras dizem que oferecem o serviço popular, o governo finge que acredita e o nível de conexão no país segue crítico. Pesquisa realizada pelo DataSenado, entre 29 de outubro e 12 de novembro de 2014, mostrou que dois terços dos entrevistados NUNCA havia ouvido falar do PNBL.
Falando de alguma coisa boa, o PNBL teve um importante mérito: o de reativar a Telebras. Infelizmente, porém, a meta traçada era a de disponibilização da Rede Nacional de Internet, gerenciada pela Telebras, em 4.278 municípios até 2015. Só que até agora a estatal amarga míseros 612 municípios conectados, sendo apenas 360 por oferta direta.
De acordo com o relatório do Senado, “a principal razão para o desempenho abaixo do previsto pode ser imputada ao investimento insuficiente nos projetos executados pela Telebras”. O Plano Plurianual de 2012 a 2015 prevê investimentos da ordem de 2,9 bilhões de reais para o PNBL no período de 2012 a 2013. Já as leis orçamentárias anuais nos mesmos anos garantiu apenas 314,7 milhões de reais para o investimento. Com o contingenciamento de recursos, o valor se reduzia ainda mais, para 267,9 milhões de reais. Por fim, a execução orçamentária, de fato, foi de 214,1 milhões de reais, ou seja, 7,4% do previsto no PPA.
Diante de tantos fracassos, há que se perguntar o que aconteceu. Uma possível explicação está no próprio Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID), órgão composto por representante de nove ministérios, de duas secretarias e do Gabinete Pessoal do Presidente da República. Compete ao CGPID a gestão e o acompanhamento doPNBL no âmbito do Poder Executivo, cabendo-lhe fixar as ações, metas e prioridades do programa, acompanhar e avaliar suas ações de implementação e publicar anualmente relatório de acompanhamento, demonstrando os resultados obtidos. Acontece que o CGPID não se reúne desde 2010 – ano de criação do PNBL! Não houve, portanto, até agora, relatório algum de acompanhamento do plano.
Uma coisa é certa: não podemos fechar os olhos para o papel central que a internet ocupa hoje na sociedade. Por ela passam, cada vez mais, as relações econômicas, políticas e sociais. No entanto, na prática, apesar do Marco Civil dizer o contrário, o acesso à internet ainda não é considerado um serviço essencial em nosso País. Ao manter dois terços das famílias naquilo que a Consultoria do Senado classificou de hiato digital, optamos, como sociedade, a aprofundar as desigualdades contra as quais viemos lutando bravamente. Estamos enxugando gelo.
Por isso, a sociedade civil, organizada em torno da campanha Banda Larga É Direito Seu, apresentou ao Executivo e àAnatel uma proposta de política pública para garantir a universalização do acesso à internet no Brasil. Seu eixo central é a mudança do regime de operação de rede e de prestação do serviço de acesso à internet no atacado do chamado regime privado para o público. O relatório do Senado endossa essa proposta: “recomenda-se a prestação do serviço de acesso à internet em regime público, a fim de promover a sua universalização”.
Neste início de 2015, a campanha Banda Larga É Um Direito Seu, da qual o Intervozes é membro, inicia a tentativa de abertura de diálogo com o novo governo e demais atores envolvidos, para caminharmos com um plano que seja efetivo. Porque não estamos apenas apontando o dedo. Estamos dispostos a construir os caminhos. Durante a campanha eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff se comprometeu a universalizar o acesso à internet no Brasil até o final desta gestão. Esperamos que o fracasso do PNBL sirva, ao menos, para se construir um plano de universalização da banda larga de forma democrática, ouvindo não apenas as empresas, mas a maior interessada: a sociedade.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Tendências da economia compartilhada


✳Tendências Da Economia Compartilhada✳
artigo de Ricardo Abramovay 08 jan 2015

A internet e a rede mundial de computadores abrem possibilidades inéditas para o avanço da cooperação humana. Daí vem a importância da economia colaborativa

O maior desafio do século XXI é a regeneração e a ampliação dos bens e serviços públicos e coletivos que tornam a vida civilizada possível. O mais importante deles é o sistema climático que será destruído caso a exploração das reservas em mãos dos gigantes fósseis contemporâneos seja levada adiante. Mas outros bens e serviços comuns da humanidade encontram-se sob ameaça. A destruição florestal e o esforço de avançar sobre áreas protegidas é um exemplo. Outro exemplo são as cidades dos países em desenvolvimento, que encolhem, de forma crescente, sua natureza pública: seus espaços são limitados não só por um carrocentrismo doentio, mas pelo apartheid territorial que afasta os mais pobres dos locais de maior provisão de utilidades e empregos. A internet e a rede mundial de computadores (World Wide Web) são os mais importantes bens públicos até hoje criados pela inteligência humana. A Web foi concebida por um grupo de pesquisadores liderados pelo britânico Tim Berners-Lee, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear http://home.web.cern.ch/ (CERN, no acrônimo francês). Berners-Lee não só fez a opção de abrir inteiramente a rede, mas trabalhou, desde o início dos anos 1990, para preservar sua neutralidade. A ideia é que os provedores de serviços da internet e os governos não podem estabelecer barreiras econômicas para o acesso a informações, o que diferencia radicalmente a rede de computadores da oferta de programas de televisão paga, por exemplo.

A internet e a rede mundial de computadores abrem possibilidades inéditas para o avanço da cooperação humana. Daí vem a importância da economia colaborativa.

Ela desfaz o mito segundo o qual esta cooperação só pode existir sobre a base da estrita defesa de interesses individuais. A Wikipédia é hoje um dos sites mais consultados da internet, tem qualidade equivalente às grandes enciclopédias convencionais e é elaborada inteiramente sobre a base desocial a que a internet e a web dãop-se eSaibdos. A sociedade da informação em rede permite que o empreendedorismo de indivíduos e de grupos adquira uma escala que vai muito além dos círculos limitados de suas relações locais. Daí derivam três tendências fundamentais da economia colaborativa que vale a pena observar em 2015.

A primeira é que a internet das coisas, a conectividade generalizada entre objetos e, cada vez mais, entre objetos móveis, abrem caminho para que sejam colocados em comum e valorizados uma quantidade cada vez maior de ativos. Isso já se observa no campo da hospedagem e da mobilidade urbana e vai marcar, cada vez mais, a produção e distribuição de energia. A mais importante empresa alemã de energia declarou publicamente sua renúncia aos fósseis e sua aposta na oferta descentralizada e distribuída de eletricidade.

A segunda tendência é expressa em De Baixo Para Cima, livro aberto recém-publicado por Eliane Costa e Gabriela Agustini , que mostra a impressionante capacidade de produção cultural vinda de comunidades consideradas até recentemente como periféricas. A novidade não está nas organizações pelas quais passa a expressão cultural destas comunidades. Ela está no fato de que dispositivos digitais poderosos, cada vez mais baratos e funcionando em rede, permitem a difusão ampla e o reconhecimento social de expressões que até recentemente confinavam-se a uma esfera quase paroquial, o que facilitava, inclusive, sua criminalização.

A terceira tendência refere-se à apropriação privada dos conteúdos que os indivíduos produzem nas redes. Os modelos de negócios dos gigantes da internet que se apoiam no uso destas informações são objeto de crescente contestação e esta será uma das questões mais interessantes do debate público em torno da colaboração social em 2015.

   * Ricardo Abramovay é professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP. * Publicado originalmente no blog Ricardo Abramovay. - Reprodução de conteúdo livre desde que sejam publicados os créditos do Instituto Akatu

      
www.akatu.org.br