sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Inclusão digital: para sonhar muitos sonhos !


Inclusão digital: "para sonhar muitos sonhos"
Artigo de Nelson Pretto para o Jornal da Ciência


"Hoje é um dia para sonhar muitos sonhos. Toda vez que nós, os povos indígenas, o povo primeiro desta terra, nos encontramos é dia para celebrar e lutar". Assim inicia-se uma das duas carta emanadas da XII Oficina de Inclusão Digital e Participação Social (http://oficinainclusaodigital.org.br) que aconteceu em Brasília na semana passada.

Mais de mil participantes, vindo de todos os recantos do Brasil, estavam reunidos em mesas redondas, grupos de trabalhos e plenárias para discutir a importância das políticas públicas que garantam a todos os povos o acesso pleno ao universo da informação e da comunicação, facilitados pela expansão das tecnologias digitais.

Ao mesmo tempo, está em tramitação na Câmara dos Deputados um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 479), que pretende incluir no artigo V da Constituição a internet como um dos direitos fundamentais do cidadão. Audiências públicas estão acontecendo em diversos Estados e este fundamental projeto encontra-se em consulta pública no portal e-democracia(http://edemocracia.camara.gov.br/), tambémé este um importante avanço no uso das tecnologias digitais para a ampliação do processo de participação democrática da população nas decisões do legislativo. No campo executivo, os portaisParticipatório (http://participatorio.juventude.gov.br/) - um espaço para a construção de políticas públicas para a juventude - e o Participa.br(http://www.participa.br) - anunciado como um espaço de escuta do governo federal, ligado diretamente à Secretaria Geral da Presidência da República - são dois outros exemplos de esforço do executivo no sentido de auscultar a população na definição das políticas governamentais.

Desta forma, vemos diversas iniciativas que buscam utilizar a internet como espaço para a inclusão social do cidadão, fortalecendo a participação social visando a construção coletiva da Nação. Justo por isso, não podemos aceitar que apenas quatro operadoras de telecomunicação consigam, como seu forte lobby, paralisar o Congresso Nacional que, desde o dia 28 de outubro passado não pode dar prosseguimento a nenhuma votação por conta do regime de urgência constitucional pedido pela Presidência da República para a votação do Projeto de Lei 2.126/11 que institui o Marco Civil da Internet. Como bem disse o sociólogo e ativista Sérgio Amadeu (http://samadeu.blogspot.com.br) num elucidativo debate no programa Brasilianas.org (http://advivo.com.br/materia-artigo/programa-discutira-a-situacao-do-marco-civil-da-internet) do último dia 2 de dezembro, isto se configura como uma plutocracia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Plutocracia) que corresponde ao "poder destas quatro empresas que detêm 8% do PIB Brasileiro". Na mesma linha, outra boa entrevista de Sérgio Amadeu sobre o Marco Civil está no Metrópolis, da TV Cultura de São Paulo (24.11.13) e pode ser vista aqui (http://tvcultura.cmais.com.br/metropolis/programas/programa-exibido-em-24-11-2013-1) (posição 22:40 s).

O tema do Marco Civil, como não podia deixar de ser, tomou conta de muitos dos debates da Oficina de Inclusão Digital e a carta final foi contundente: "Do Marco Civil da Internet esperamos que ele tenha como foco o lugar de onde ele saiu: a consulta popular e o envolvimento com a sociedade civil. Queremos neutralidade, para que não haja uma internet dos ricos e uma internet dos pobres. Queremos privacidade, para que parem de tratar nossos dados e nossa navegação como objeto de lucro e negócios. E queremos liberdade de expressão, porque somos produtores de cultura, produtores de conhecimento, e nossas comunidades sabem como deixar de ser invisíveis - e queremos compartilhar nossa produção social com toda sociedade. Queremos que de fato exista o compromisso de tratar nosso direito à comunicação como um direito humano fundamental de todo e qualquer cidadão e cidadã."

Muitas vezes o argumento usado pelas operadoras para defenderem a quebra da neutralidade da rede é que os usuários mais pobres irão pagar para que os usuários de maior poder aquisitivo possam usar a rede plenamente. Trabalham eles, como de costume, com a ideia de que os primeiros serão apenas utilizadores de e-mails e que assim devem permanecer. Pois é justo o oposto o que defendemos e por isso mesmo a neutralidade da rede é um ponto inegociável: queremos que todos, em todas as camadas sociais, sejam produtores de culturas e de conhecimentos e não simplesmente consumidores de informações. Toda a população deve fazer um uso pleno da rede, para muito mais do que somente ler meia duzia de e-mails.

É urgente termos estratégias para resolver em definitivo a situação da Banda Larga no Brasil. A situação é lamentável, chegando a situações calamitosas como a vivida pelos professores e alunos das novas universidades públicas criadas nos últimos anos, onde a conexão é totalmente insuficiente.

Visitei recentemente o Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia da Bahia (IFBA) (http://www.barreiras.ifba.edu.br/), na cidade de Barreiras, para ministrar curso de pós-graduação e deparei-me com que já conhecia desde muito: todos, absolutamente todos, reclamando da qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras e, o pior, valendo tanto para a conexão internet como para o próprio serviço de telefonia. Manchete do jornal local "Jornal do São Francisco" do dia 17 a 24.11.13 é enfática: "Internet ou Telefonia: o que é pior?".

A implantação da rede internet no país foi, de fato, um política pública estruturada e estruturadora levada a cabo pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) nas décadas de 80 e 90 do século passado, com a participação efetiva de boa parte das universidades Federais que abrigaram em cada um dos estados da federação os chamados Pontos-de-Presença (POP) da recém criada Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Esta rede possibilitou não só a conexão dasinstituições de pesquisa, como se constituiu no embrião da internet comercial no país.

Esta política precisa ser continuada. As novas universidade e os novos campi - com a correta política de expansão, o número de municípios atendidos por universidades passou de 114 em 2003 para 237 até o final de 2011, tendo sido criadas 14 novas universidades e mais de 100 novos campi (http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=81), precisam estar conectados em alta velocidade e, nas suas regiões se constituírem-se, como foram no passado, no embrião de novas redes locais - fortalecidas por umaTelebrás também fortalecida - com a implantação de POPs em cada uma delas, ampliando de forma significativa o backbone nacional da RNP.

Estes são uns dos maiores desafios para pensarmos em um país conectado e fortalecido científica e culturalmente.

Melhor do que eu, os índios presentes na 12ª OID deram o recado sobre a questão ao lançarem publicamente o Núcleo Indígena de Comunicação e Tecnologia de Informação Digital, que tem o objetivo de ser "uma das instâncias de conversa e decisão sobre o uso das tecnologias de comunicação e informação digital para nos, os povos indígenas."

E, mais uma vez, fizeram um chamamento para que todos possamos, junto com eles, sonhar um pouco mais:

"Parentes indígenas e não indígenas, parentes quilombolas, parentes de comunidades tradicionais de terreiro e parentes das florestas: venham sonhar juntos e assim tornar realidade a democratização das tecnologias de comunicação e informação para os povos indígenas do Brasil e, por que não? Dos povos indígenas do mundo."

O desafio foi posto: "Sonhadores e sonhadoras do mundo uni-vos!"

Link para as duas cartas



Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e secretário regional da SBPC/Bahia